05 março 2023

A história original de A Pequena Sereia é realmente sobre amor masculino e rejeição

A Pequena Sereia (The Little Mermaid) - O Pequeno Tritão (The Little Merman) - Gay Merman - Tritão Gay

 O live-action da Disney, A Pequena Sereia, teve reclamações sobre suas diferenças em relação ao desenho animado, mas a história original era uma alegoria muito mais profunda.

A adaptação live-action da Disney de A Pequena Sereia (The Little Mermaid), estrelada por Halle Bailey, criou muito barulho desde o momento em que o primeiro trailer foi lançado — principalmente porque a atriz escalada para viver a protagonista Ariel é negra. Muitos pareciam focados nas diferenças entre as versões live-action e cartoon. No entanto, o filme de animação da Disney é em si uma adaptação e na verdade tem várias diferenças quando comparado à história original, que as interpretações acadêmicas analisaram podem na verdade ser uma metáfora para um amor do mesmo sexo não correspondido.


A Pequena Sereia
foi originalmente escrito pelo autor dinamarquês Hans Christian Andersen e publicado pela primeira vez em 1837. Embora compartilhe semelhanças com o desenho animado da Disney, a história original é muito mais sombria e tem um final diferente. Vamos dar uma olhada no conto de fadas de Andersen e no simbolismo embutido na história, e ver como ele poderia muito bem refletir um autor 'homo' se sentindo deslocado em um mundo 'heterossexual'.

Amor masculino não correspondido e rejeição inspiraram A Pequena Sereia

Retrato de Hans Christian Andersen (1836) de Christian Albrecht Jensen - Portrait of Hans Christian Andersen (1836) by Christian Albrecht Jensen
Hans Christian Andersen em 1836,
um ano antes da publicação de A Pequena Sereia
No conto de fadas original de Andersen, a sereia se apaixona por um príncipe humano e troca sua voz por pernas, mas vem com um preço muito mais doloroso. Cada passo que ela dá é cheio de dor e parece facas apunhalando-a. Se ela não conseguir que o príncipe retribua seus sentimentos e se apaixone por ela, ela deve morrer como uma sereia e se transformar em espuma do mar. Ela aceita essa troca, embora acabe recebendo um final infeliz, com o príncipe se casando com uma princesa de um reino vizinho. As irmãs da sereia oferecem a ela uma alternativa e informam que se ela matar o príncipe, ela pode se tornar uma sereia novamente e voltar para o mar e sua família, mas ela ama demais o príncipe para machucá-lo e se joga na água, transformando-se em espuma do mar.

Tem havido muita especulação sobre o significado por trás da história, mas uma opinião em particular parece ter sido amplamente aceita como verdade. Esta interpretação afirma que A Pequena Sereia é na verdade uma alegoria de amor do mesmo sexo e foi uma carta de amor escrita por Andersen para seu amigo íntimo, Edvard Collin, por quem ele era apaixonado. Edvard era filho de Jonas Collin, patrono das artes e patrocinador de Andersen. Andersen havia escrito várias cartas e poemas para Edvard Collin ao longo da amizade deles, e muitos de seus escritos declaravam profundos sentimentos românticos pelo outro homem, expressando que suas emoções eram como as de uma mulher (na mentalidade da época, a única forma de amor romântico era a entre sexos opostos, daí essa comparação). Andersen foi rejeitado, entretanto, e A Pequena Sereia foi escrito no mesmo ano em que Collin anunciou seu noivado com uma mulher.

Andersen escreveu a Collin: "Eu sofro por você como por uma bela moça da Calábria ... meus sentimentos por você são os de uma mulher. A feminilidade de minha natureza e nossa amizade devem permanecer um mistério." Collin, que preferia mulheres, escreveu em suas próprias memórias: "Eu me descobri incapaz de corresponder a esse amor e isso causou muito sofrimento ao autor."

Henriette e Edvard Collin, pintura de W. Marstrand (1842) - Henriette and Edvard Collin, portrait by W. Marstrand (1842)
Henriette e Edvard Collin em 1842, cinco anos após a publicação de A Pequena Sereia

Como a pequena sereia, Andersen queria ser outra coisa

Olhando mais profundamente na estória, a metáfora se torna bastante clara. A sereia tem uma forte curiosidade pelo mundo humano desde o início da história, antes mesmo de conhecer o príncipe. Ela quer sentir o sol e dançar como os humanos, sentindo-se muito conectada ao mundo deles e desconfortável no seu. Ela chega a fazer um acordo com a Bruxa do Mar para mudar as partes de si mesma de que não gosta para se encaixar mais com elas e tentar conquistar o afeto do príncipe. Claramente, a sereia é um substituto para o próprio Andersen, enquanto o príncipe é um substituto para Collin.

The Little Mermaid, Illustration in a collection of Andersen's Fairy tales (1899) by Helen Stratton - A Pequena Sereia, ilustração em uma coleção de contos de fadas de Andersen (1899) de Helen Stratton
A Pequena Sereia encontra
uma estátua humana no fundo
do mar e se encanta com ela.
Isso pode ser lido como Andersen querendo ser como todo mundo, desejando ser uma mulher em vez de um homem, para que pudesse conquistar os sentimentos de Collin com mais facilidade, já que a androfilia masculina não era tão socialmente aceita no ocidente em 1800. Há muito a ser lido no desejo da sereia pelo mundo humano: o desejo de Andersen de ser 'heterossexual' como [aparentemente] todos os outros, seu desejo de que um deles fosse uma mulher ou seu desejo de ser aceito como ele era. O final da história, com a sereia se sacrificando porque amava tanto o príncipe, também foi um presságio, já que Andersen permaneceu muito próximo de Collin e sua esposa pelo resto de sua vida, embora seus sentimentos pelo outro homem fossem tão fortes. Quando faleceu, aos 70 anos de idade, Andersen foi enterrado no mesmo jazigo de Collin, que só morreria quase 11 anos depois, e sua esposa Henriette. Mesmo depois de morto ele teve que passar a eternidade contemplando a felicidade do casal.

Em uma época em que a androfilia masculina era tão banida, A Pequena Sereia representa as frustrações e desejos de Andersen em uma fantasia metafórica. Ele estava sozinho, desejando um mundo ao qual não pertencia e um amor que não poderia ter, e apenas querendo se sentir como todo mundo. Mesmo a versão da Disney pode ser vista com lentes homo-codificadas se olharmos com atenção, embora sua história seja muito diferente do material de origem. A beleza da história é como ela continua a ser adaptada e reinventada, e como ainda é capaz de se conectar e ressoar com o público mesmo centenas de anos após sua publicação original.

O filme live-action da Disney tem lançamento previsto nos cinemas em 26 de maio.

Fontes: CBR, The Little Mermaid e Hans Christian Andersen

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