Subaru x Seishiroh — o lado sombrio da empatia total

 Tokyo Babylon (東京BABYLON), também conhecido como Tokyo Babylon: A Save Tokyo City Story, é um mangá do CLAMP que apresenta Subaru Sumeragi, o jovem chefe do clã Sumeragi, e sua irmã  gêmea Hokuto trabalhando para proteger Tóquio de uma miríade de perigos sobrenaturais enquanto contam com o apoio de um misterioso homem chamado Seishiro Sakurazuka.

AVISO: spoilers de Tokyo Babylon e X/1999

Se você passou algum tempo lendo mangá e assistindo anime pelo menos durante boa parte do início dos anos 2000 então você já ouviu o nome CLAMP: um grupo prolífico e inovador de mulheres criativas que começou como um círculo doujin na década de 1980 e estão vinculadas a mais de duas dúzias de mangás e inúmeras adaptações animadas.

Embora mais conhecido entre os fãs mais jovens no Ocidente por trabalhos como Magic Knight Rayearth e Cardcaptor Sakura (e sua tão adiada sequência Clear Card) e seus designs de personagens em Code Geass, alguns de seus primeiros trabalhos mais influentes tinham um tom consideravelmente mais sombrio, como X, também conhecido como X/1999.

Tokyo Babylon, um dos primeiros trabalhos publicados do CLAMP, abordou questões que foram relevantes após o estouro da bolha econômica no Japão dos anos 90 e que continuam a reverberar ainda hoje. Serializado de 1990 a 1993 na revista shoujo Wings e publicada no Brasil pela Editora JBC, conta a história de Subaru Sumeragi, um onmyoji de 16 anos (onmyoji é o praticante de onmyodo, uma cosmologia esotérica que combina ciências naturais e ocultismo). A série o mostra enquanto ele enfrenta diferentes casos de fenômenos inexplicáveis ​​com sua irmã gêmea Hokuto e o simpático mas misterioso veterinário de 25 anos, Seishiroh Sakurazuka.

Inicialmente apresentado como episódico, com alusões periódicas a um estranho encontro entre Subaru e Seishiroh anos atrás, o principal tema condutor de Tokyo Babylon é a empatia ilimitada de Subaru por todos, sejam vítimas de ocorrências sobrenaturais, espíritos presos à terra ou simplesmente um homem idoso no parque. Para Subaru, todos merecem ser cuidados, mesmo às custas do seu próprio bem-estar.

Muitos heróis masculinos populares trabalham para salvar outros com armas nas mãos, mas este não é o caso de Subaru. Ele é descendente de uma família poderosa, mas muitos de seus casos são resolvidos quando Subaru estabelece um terreno comum e escuta ativamente as pessoas ao seu redor.

Em minha primeira experiência lendo Tokyo Babylon, Subaru foi interpretado como um ideal que qualquer pessoa poderia aspirar a ser: alguém que fosse habilidoso, mas que se definisse pela maneira como tratava os outros; que estava sempre lá para oferecer uma mão amiga a uma pessoa necessitada.

Nos primeiros volumes, o CLAMP alimenta esse ideal, mas à medida que a história avança, a perspectiva da empatia torna-se mais matizada: uma pessoa pode ser altruísta, mas apenas arriscando o seu próprio bem-estar. A jornada de Subaru mostra as recompensas e as armadilhas de uma vida dedicada a ajudar os outros, mas também como isso deixa marcas em sua psique.

No final de Tokyo Babylon, Subaru é incapaz de suportar a crueldade do mundo e é deixado para juntar os pedaços de sua inocência despedaçada. A empatia de Subaru é ao mesmo tempo sua maior força e sua maior vulnerabilidade.

Empatia como positiva

Os pontos positivos da capacidade de Subaru de empatizar com os outros estão na vanguarda do segundo volume da obra, “Sonho” ("Dream"), constante no mangá #2, quando ele viaja para a consciência de uma mulher chamada Mitsuki Kaburagi. Mitsuki mergulha em um sonho sem fim depois de ser incapaz de falar sobre uma terrível agressão sexual.

Subaru, como alguém que é “especial” para Mitsuki e o foco principal de suas memórias felizes em seu prolongado estado de sonho, pode acessar mais facilmente sua consciência. Ele não é visto como uma ameaça, e mesmo quando ameaçado no mundo dos sonhos Subaru se recusa a revidar, correndo o risco de ferir sua alma.

A única maneira de convencer Mitsuki a acordar é ouvindo a história dela e devolvendo-a com conselhos sinceros: ele afirma antecipadamente que mesmo depois de ver as memórias dela, ele não consegue “entender tudo o que está acontecendo em [seu] coração”. Em vez disso, ele se concentra nas possibilidades de ela construir um futuro melhor para si mesma e de compartilhar o fardo de seu trauma com pessoas de quem ela gosta e que podem ajudá-la.

Subaru nunca tenta “consertar” a situação de Mitsuki, mas oferece a ela a chance de dar o primeiro passo para superá-la, em seus próprios termos. Embora fosse fácil enquadrar Subaru como ingênuo, a história nos garante que outros realmente se preocupam com Mitsuki e querem ajudá-la.

Empatia como negativa

Embora Subaru ajudar Mitsuki tenha sido um tanto perigoso, também é considerado um caso para seu trabalho, e algo que apenas alguém com suas capacidades é capaz de fazer. No volume “Renascimento” ("Rebirth", o oitavo, no mangá #5), porém, Subaru vai além.

Primeiro, ele se oferece para doar um rim ao último filho vivo de uma mãe enlutada e depois se coloca em perigo físico para permitir que a mãe desconte sua raiva em alguém quando parece que sua oferta chegou tarde demais (mesmo que isso não vá ajudá-la). Isto não faz parte do seu trabalho; ele simplesmente quer aliviar sua dor física e emocional porque ele sente por eles.

No entanto, essa atitude de auto-sacrifício faz com que Seishiroh se interponha entre Subaru e a mãe durante a briga e perca o olho direito.

Isso mostra a Subaru que sua disposição de correr o perigo tem consequências para mais do que ele mesmo, e Hokuto tem que acalmá-lo de um surto físico após este evento. O sentimento de Subaru nunca é rebaixado, mas, quando ele visita Seishiroh no hospital, Seishiroh enquadra suas próprias ações como “egoístas”: ele queria ter certeza de que Subaru não estava ferido, mas devido à sua possessividade em relação a Subaru.

Este episódio encoraja o leitor a considerar se as ações de Subaru devem ser vistas mais como autodestrutivas do que úteis e se esse sentimento de empatia é, em última análise, prejudicial. Porém, também é necessário considerar a posição final de Seishiroh na história, como uma antítese de Subaru e sua empatia. O subtítulo de Tokyo Babylon é “A Save Tokyo City Story” ("Uma História de Salve a Cidade de Tóquio"), mas torna-se cada vez mais claro que salvar Tóquio tem um custo elevado para o seu salvador.

Empatia imerecida

E isso traz este artigo a grandes spoilers para o final de Tokyo Babylon e sua sequência, X. O leitor é informado desde o início a desconfiar de Seishiroh. O fato de ele ser um adulto que professa seu “amor” por um adolescente já deveria soar sinais de alerta¹, mas como semelhantes diferenças de idade são um tropo infelizmente predominante em títulos de shoujo e yaoi/boys' love, eu, quando adolescente, não pensei muito sobre isso. Apesar das muitas dicas de que Seishiroh não é tudo o que parece, pensei que a empatia, o altruísmo e a capacidade de ver o bem nas pessoas de Subaru venceriam no final.

Pode ser assim que outras histórias terminam, mas não a de Subaru. Tokyo Babylon já mostrou como as pessoas magoam umas às outras na busca de sua própria felicidade, e essas histórias, como diz Seishiroh no clímax de Tokyo Babylon, “acontecem em Tóquio todos os dias”. Subaru é traído pelo homem que ele acabou de perceber que amava, e esse amor é feito em pedaços.

Seishiroh revela que suas reais intenções não são como o protetor oculto de Subaru, mas como um predador perseguindo sua presa. Seishiroh é o Sakurazukamori, uma pessoa que usa onmyodo para assassinato e subterfúgios. No passado, um jovem Subaru involuntariamente viu Seishiroh cometer um assassinato e Seishiroh o “marcou” para morrer por causa disso.

Seishiroh faz uma “aposta” de que Subaru não conseguirá conquistar seu amor, mas é falsa: Subaru é uma criança e permanece assim durante o período da aposta, e ele não tem uma memória clara desse aparente acordo. Por vários motivos, ele não pode consentir.

A aposta significava o fracasso para Subaru de qualquer maneira. Seishiroh admitiu sua filosofia em “Renascimento”, mas a expressou muito antes: ele pensa que as ações de uma pessoa só podem ser baseadas na busca egoísta de sua própria felicidade. Mesmo quando Subaru se apaixona por ele, Seishiroh não consegue reconhecer isso. Uma pessoa como Seishiroh não consegue ter empatia, porque nunca se permite ser vulnerável a ninguém. Ele manipula os sentimentos dos outros e depois os joga fora.

Pode parecer que a mensagem do CLAMP sobre empatia seja “não se abra aos outros, pois só receberá dor”, mas não é. A empatia de Subaru ainda melhorou a vida de muitas pessoas, enquanto Seishiroh, um homem vazio, só pode destruir.

A perspectiva de Hokuto é esclarecedora. Ela entende a profundidade de ambas as perspectivas, os aspectos egoístas e altruístas. Embora ela avise Seishiroh várias vezes que suspeita dele, ela confia em Subaru. Em última análise, isso a leva a procurar Seishiroh e morrer no lugar de Subaru. Ela não é ingênua para o mal como seu irmão, mas opta por acreditar na redenção, apesar da feiúra do mundo. Sua perspectiva diz ao leitor que a falta de auto-estima de Subaru é o que prejudica, e não a empatia em si.

Empatia não resolvida

Tokyo Babylon não é o fim da história de Subaru, mas, neste momento, parece que seu destino permanecerá permanentemente inacabado. A relação de Subaru e Seishiroh, agora como adversários, é destaque em X, que se passa quase uma década depois de Tokyo Babylon.

Subaru endureceu com suas provações passadas e está determinado a procurar Seishiroh, mas também continua a se preocupar com o bem-estar dos outros — principalmente Kamui Shiroh, o protagonista de X. As circunstâncias de Kamui são paralelas às de Subaru, já que ambos sofrem a perda de um ente querido por um homem que antes amavam e em quem confiavam.

No entanto, o relacionamento de Subaru com Seishiroh sofreu uma mudança dramática. Em vez de serem apresentados como predador e vítima, o CLAMP decidiu reformular Seishiroh e Subaru como amantes trágicos. Em vez de continuarem a abraçar as nuances e complexidades da luta de Subaru com seu altruísmo, elas estreitaram o foco de seu relacionamento, mesmo deixando claro que Tokyo Babylon é canônico para X.

A decisão do CLAMP de continuar a história de Subaru quando ele se torna adulto, após as consequências de uma tragédia pessoal, era algo que eu desejava. No entanto, X adota um método indireto para mostrar sua maioridade. Parecendo considerar a história de Subaru como “terminada”, os temas de seu relacionamento em X giram em torno de Seishiroh ter desenvolvido sentimentos sinceros por sua vítima. Embora isso leve à sua morte, ainda romantiza o relacionamento predatório de Tokyo Babylon em retrospectiva.

Em X, Subaru cumpre seu juramento de matar Seishiroh. Ele se torna o novo Sakurazukamori e se junta aos Dragões da Terra, a facção que atua para destruir a humanidade e, assim, salvar o planeta. No entanto, apesar dessa mudança, Subaru ainda se preocupa com Kamui, e Kamui ainda o tem em alta estima.

Subaru não se torna Seishiroh. Ele fuma, assume a posição de Seishiroh, faz tudo que em outra história poderia significar que ele se “tornaria” o homem que odeia e ama, mas ainda mantém seu altruísmo interior. Subaru ainda se preocupa com a humanidade, apesar do quanto sofreu.

*   *   *

Embora se passe no mesmo universo com os mesmos personagens, as duas obras assumem posturas diferentes, e acho mais forte a mensagem de Tokyo Babylon em torno da empatia. Não ajuda que a personagem original mais empático de X, Kotori, tenha sido horrivelmente assassinada, nem que o CLAMP não tenha terminado de escrever X, então a história de Subaru permanece incompleta. Embora eu recomende X como uma abordagem interessante sobre a premissa do mundo acabar na virada do milênio (os mangás dos anos 90 eram obcecados com a ideia do mundo acabar em 1999), o arco do personagem de Subaru, embora se destaque, é moldado para se adequar à história que está sendo contada.

X é sobre o fim do mundo e como algumas pessoas reagem a isso. Tokyo Babylon é sobre a humanidade e por que a disposição de Subaru de ter empatia e incluir-se entre ela tem significado sobre a rejeição dela por Seishiroh. Tokyo Babylon me fez querer tentar tornar o mundo melhor, enquanto X tornou mais difícil para mim entender por que vale a pena salvar o mundo.

Ler Tokyo Babylon hoje é diferente para mim em comparação com quando o fiz pela primeira vez vários anos atrás, mas ainda tenho empatia pelo desejo de Subaru de ajudar as pessoas. Ainda espero pelo dia em que o arco de seu personagem tenha uma conclusão definitiva e, assim como todos aqueles que ele ajudou através do cojunto das obras do CLAMP, espero que ele encontre a felicidade.

Fonte

NOTA DO TRADUTOR:

1 - Na época da publicação de Tokyo Babylon, a idade mímina de consentimento no Japão era de 13 anos de idade, subindo para 16 em 2023. No Brasil, a idade de consentimento é de 14 anos desde 2009. Isso quer dizer que relacionamentos românticos e até mesmo sexuais consensuais são legais a partir dos 14 anos no Brasil e 16 no Japão (13 até 2023), mesmo quando a relação é entre um adulto e um adolescente — ou seja, a relação entre Seishiro e Subaru, se tivesse sido consumada (o que infelizmente não foi), seria perfeitamente legal (tanto antes como agora), já que Subaru tinha 16 anos no começo de Tokyo Babylon.

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