25 novembro 2021

He-Man: ao completar 40 anos, o "ícone gay" se assume... 'hétero'?


 Uma montanha de músculos bronzeados vestindo nada além de uma tanga e um arnês e brandindo a Espada do Poder ao soltar um grito e seu verdadeiro eu se libertar numa chuva de luz, He-Man, O Homem Mais Poderoso do Universo, é o maior ícone 'gay' da história das animações. Contudo, após 40 anos de nenhuma demonstração de interesse pelo sexo oposto, He-Man pode ter acabado de sair do armário como 'heterossexual'. Então... será que ele é???

He-Man, de Earl Norem
(He-Man and the Masters of the Universe Magazine #1, 1985)
He-Man é um super-herói e personagem principal da franquia de espadas e feitiçaria Masters of the Universe ("Mestres do Universo" no Brasil), que inclui uma linha de brinquedos, várias séries de animação para televisão, histórias em quadrinhos e um longa-metragem. He-Man é caracterizado por sua força sobre-humana e, na maioria das versões, é o alter ego do Príncipe Adam. He-Man e seus amigos tentam defender o reino de Eternia e os segredos do Castelo Grayskull das forças do mal de Esqueleto (Skeletor).

He-Man foi criado em 1981 pelo designer Roger Sweet, que intencionalmente criou o personagem de forma que ele fosse abstrato e genérico o suficiente para ser aplicado em qualquer contexto e gênero; Sweet também escolheu o nome He-Man por ser genérico. Apresentando três versões diferentes da figura para a gigante dos brinquedos Mattel — incluindo um soldado e um astronauta — a versão bárbaro do personagem foi escolhida e desenvolvida na forma atual do personagem.


He-Man sempre foi apontado pelo homoerotismo e subtexto 'gay' em torno de seu personagem. Muitos críticos notaram sua natureza codificada como 'queer' (ver "Queer coding") e sua percebida homossexualidade — especialmente em seus relacionamentos com outros personagens masculinos, particularmente o Esqueleto. Além disso, desde sua criação, He-Man alcançou o status de ícone 'gay' e conquistou seguidores DSR ([da] Diversidade Sexual e Romântica) — especificamente entre homens identificados como 'gays'. Além disso, o personagem é conhecido por seu apelo sexual em relação aos homens que se atraem por homens. A leitura 'queer' do personagem de He-Man e seu relacionamento com o Esqueleto também foi utilizada em propaganda e para caridade. De acordo com várias fontes internas e funcionários, a Mattel está ciente desses seguidores e do status de ícone 'gay' de He-Man, e de sua percepção como um homem 'gay' — algo a que a empresa é receptiva.


Antecedentes e leitura homossexual

He-Man lutando com Tri-Klops
De acordo com o escritor do site Syfy, Jordan Zakarin, o desenho original era "o show mais gay que já existiu na TV", apesar de ter sido transmitido durante a era Reagan, onde, como Jake Pitre observa, os produtores tentaram "neutralizar qualquer possível leitura queer" de seus desenhos animados. Anthony Gramuglia, do Comic Book Resources (CBR), aponta que, como os censores muitas vezes impediam a representação direta de personagens DSR ([da] diversidade sexual e romântica), os criadores muitas vezes tinham que confiar na codificação 'queer', dando aos personagens qualidades tidas como 'gays' para indicar seu status "HomoBi". Discutindo como os desenhos animados são "excepcionalmente receptivos a subtextos que insinuam ou até celebram o desejo pelo mesmo sexo", o autor e professor Jeffery P. Dennis argumenta que os desenhos animados "muitas vezes produzem uma validação tácita de relacionamentos românticos ou domésticos do mesmo sexo, mesmo quando os animadores não têm esse interesse".

A respeito disso, Dennis observa como, mesmo quando os desenhos animados não têm um par do mesmo sexo, ainda é possível ver uma identidade sexual homoerótica sendo aplicada a um personagem; algo que ocorreu com He-Man, já que ele "era musculoso e nunca namorava garotas". O professor e autor Jes Battis também afirma que a série "tratou de temas de homoerotismo e sigilo". Isso é reiterado pelo escritor da Medium John DeVore que — descrevendo He-Man como seu ícone pessoal e um modelo masculino enquanto crescia — reconheceu a série original como sendo "cheia de energia queer".


Natureza 'queer'-codificada e subtexto 'gay'

Aparência e caráter

David Chlopecki argumenta que os corpos de He-Man e Esqueleto eram "indicativos da epidemia de AIDS que devastou a comunidade 'LGBTQ'" na época da produção do show, com o rosto de Esqueleto parecendo a dor facial de 'gays' sucumbindo à AIDS, e isso dada a época, o subtexto 'gay' do show foi não intencional ou o resultado de uma codificação 'queer'. Além disso, Chlopecki argumenta que a aparência do Príncipe Adam está de acordo com os estereótipos 'gays', como sua calça de lycra roxa e camisa rosa justa, enquanto NewNowNext também destaca seu corte de cabelo de pajem (escorrido e com franja). A NPR também considerou a aparência do personagem como um acréscimo ao subtexto 'gay' do show, dado que o traje de He-Man lembra os da subcultura do couro ("leather" em inglês), incluindo um arnês de bondage, o que era considerado nos anos 80 do imaginário homoerótico.

He-Man gay arco-íris rainbow

Atenção também foi dada à transformação de Adam em He-Man através de seus "fabulosos poderes secretos" ("fabulous secret powers") e espada fálica. Além disso, a transformação de Adam em He-Man em Masters of the Universe: Revelation (2021) foi comparada às de garotas mágicas como Sailor Moon. A transformação, que além de tudo mostra o corpo de He-Men nu, inclui um esquema de cores do arco-íris (imagem acima), que Matt McGloin, da Cosmic Book News, argumenta que alude à bandeira do arco-íris usada pela comunidade "LGBT" e está conectada aos movimentos "LGBT".

Se você puser em baixa velocidade, vai poder apreciar melhor
o bumbum musculoso pelado do herói

Atenção também foi dada à vida dupla do personagem, com Battis argumentando que Adam tendo que "esconder sua verdadeira identidade como [He-Man]" era um dos principais aspectos 'queers' da série. Sophia Atkinson do Highsnobiety nota como sua vida dupla como Príncipe Adam e He-Man reflete as "dificuldades de viver como um homem gay", observando ainda como, em várias mídias na franquia, He-Man nunca mostra interesse romântico por nenhuma mulher. O jornal britânico The Daily Telegraph também reconhece como a dupla identidade do personagem é representativa da luta de um homem para chegar a um acordo com sua sexualidade — o Príncipe Adam está no armário e tem um segredo, enquanto He-Man é "assumido e orgulhoso" ("out-and-proud" em inglês). Escrevendo para o The Johns Hopkins News-Letter, Matt Johnson descreveu a representação de He-Man como um "tratado velado sobre o estado da sexualidade gay masculina nos anos oitenta". Johnson vê He-Man como um homem 'gay' reprimido e no armário, cuja transformação de Adam em He-Man representa suas frustrações acumuladas atingindo o auge e precisando ser liberadas.

Com outros homens

O paraíso segundo a religião de Eternia se chama Preternia,
e é para lá que eu quero iro quando morrer
Adam B. Vary, da Entertainment Weekly, refere-se ao desenho original como contendo subtexto 'gay', argumentando que o filme live-action Masters of the Universe (1987) o transformou em texto explícito. Escrevendo para o BuzzFeed, Vary argumenta que o subtexto 'gay' presente no filme é um "romance trágico e não correspondido entre He-Man e Esqueleto", destacando a "obsessão distorcida" de Esqueleto por He-Man e como, apesar de estar cercado de mulheres atraentes, He-Man nunca mostra interesse por elas; isso ecoa a declaração de Atkinson e Dennis. A relação do personagem com Mentor (Man-at-Arms) também foi reconhecida por ser homoerótica.

Ícone 'gay', fandom e sex appeal

O homoerotismo de He-Man e a homossexualidade implícita resultaram no personagem e no show atraindo um público DSR ([da] diversidade sexual e romântica) e AMS (amantes do mesmo sexo) quando o desenho foi ao ar pela primeira vez, com o personagem agora sendo visto como um ícone 'gay'. A Men's Health, a maior revista masculina do mundo, revelou que um dos três grupos principais que compunham os consumidores dos brinquedos He-Man eram homens 'gays'. Noelle Stevenson, criadora, showrunner e produtora executiva de She-Ra and the Princesses of Power (2018-20), também afirmou que He-Man — ao lado de She-Ra — é um ícone 'gay', e a fanbase DSR' do personagem tem sido creditada como tendo ajudado a pavimentar o caminho para o reboot apresentar personagens abertamente DSR e AMS.

Arqueiro leva Adam na garupa do seu cavalo em She-Ra: Princess of Power, spin-off de He-Man
Quando o desenvolvimento de um remake live-action do filme foi anunciado pela primeira vez, a revista de estilo de vida "LGBT" Out também descreveu a série original como "um dos desenhos [...] mais gays de todos os tempos", e que o filme de 1987 "tornou toda uma geração de meninos pelo menos um pouco gays". Da mesma forma, Gerald Biggerstaff da revista Instinct descreveu o desenho original como sendo bastante popular entre os homens 'gays' que cresceram nas décadas de 1980 e 90 e que, para muitos deles, He-Man "estimulou [seu] despertar gay". Em 2003, os editores da HX Magazine compilaram uma lista de séries de televisão imperdíveis com protagonistas masculinos atraentes, com He-Man — como ele mesmo e com base em sua aparência no reboot de 2002 — o único personagem animado a compor a lista, sendo descrito como o "objeto de todos os nossos sonhos molhados de infância". A revista britânica Gay Times compilou uma lista de personagens de desenhos animados por quem seus editores eram atraídos quando mais novos, com He-Man no topo da lista, observando a representação de Dolph Lundgren no filme live-action. Na mesma publicação, o ator Andrew Hayden-Smith revelou em 2016 que percebeu que era 'gay' enquanto brincava com seu boneco do He-Man quando criança, sendo atraído pelo físico do personagem; particularmente seus peitorais.


Leitura 'queer' em outras mídias

Em 2004, He-Man apareceu na segunda temporada de ILL-ustrated, uma série de desenho animado de comédia para adultos que vai ao ar no canal VH1. Nela, He-Man é visitado pelo elenco de Queer Eye for the Straight Guy, que tenta dar uma reforma nele, mas chega à conclusão de que ele "já é muito gay" sem a ajuda deles. Na peça Thirtynothing (2011) de Dan Fishback com foco em artistas 'gays' que morreram e a crise da AIDS, Fishback fala sobre ter assistido ao desenho em sua infância e os créditos de abertura do programa são apresentados. Os créditos são seguidos por imagens de um protesto da ACT UP (AIDS Coalition to Unleash Power, "Coalizão de AIDS para Liberar o Poder" em português) em 1989 na sede da Food and Drug Administration (FDA), onde os ativistas exigiram um "processo de aprovação acelerado para tratamentos de HIV". Jayson A. Morrison discute como, ao fazer isso, Fishback conectou a transformação do Príncipe Adam no poderoso He-Man — segurando uma espada e recitando uma frase — para indivíduos "LGBT" "que [ganham] poderes extraordinários como ativistas".

He-Man e Esqueleto, de Benoit Prevot
para o Skeletor Saves
Em abril de 2011, David Mason, Brian Moylan e o escritor e artista de moda Bradford Shellhammer realizaram o leilão de arte beneficente "Skeletor Saves" ("Esqueleto Salva"), com a renda revertida para o Ali Forney Center; um centro comunitário "LGBT" que ajuda jovens "LGBT" desabrigados. O evento foi inspirado pelo amor de Mason pela franquia enquanto crescia — com Esqueleto sendo um de seus heróis pessoais — e até atraiu a atenção dos designers de moda Helmut Lang e Marc Jacobs. Escrevendo para a revista canadense "LGBT" Xtra, Helen Whithead afirmou que a mostra de arte permitiu que os artistas "explorassem o lado sexy e excêntrico do festival homoerótico de músculos He-Man". Muitos dos trabalhos enviados para o evento incluíram retratos de He-Man em situações homoeróticas e não recomendadas para menores de idade, incluindo retratos de Esqueleto seduzindo-o ou apresentando os dois personagens fazendo sexo.

A leitura 'gay' do personagem de He-Man e sua relação com Esqueleto foi utilizada pela empresa britânica Moneysupermarket.com em 2017 com um de seus anúncios — que mostrava os dois homens se abraçando e dançando (veja abaixo) — sendo descrito pelo site Bleeding Cool como "do lado homoerótico". Após o lançamento de Brokeback Mountain em 2005, que enfoca a relação emocional e sexual entre dois caubóis, várias paródias do trailer do filme foram criadas e postadas no YouTube. Jennifer Malkowski indica como esses falsos trailers tendem a "amplificar o subtexto queer" encontrado nas obras, com um desses vídeos intitulado "Brokeback Snake Mountain" (a Montanha da Serpente, ou Snake Mountain no original, era a base de Esqueleto e seus guerreiros do mal) enfocando o romance entre He-Man e Mentor.

Resposta da Mattel e fontes internas

De acordo com a dubladora Erika Scheimer da animação dos anos 80 He-Man and the Masters of the Universe — que é abertamente 'lésbica' e filha do co-fundador da Filmation (produtora da animação), Lou Scheimer — a empresa era receptiva aos artistas 'gays', com muitos membros do estúdio "ansiosos para se verem na tela" e brincava que He-Man é 'gay'. De acordo com Mark Morse, diretor de marketing global da Mattel de 2008 a 2017, a questão da sexualidade de He-Man e se uma futura produção da franquia deveria torná-lo abertamente 'gay' não foi discutida na empresa até o lançamento do boneco Laughing Prince Adam (Príncipe Adam Risonho) em 2018. No entanto, Morse afirmou que a Mattel queria garantir que o boneco não fosse visto como ofensivo para a comunidade "LGBT".

Em uma entrevista para a revista online sobre estilo de vida 'gay' Queerty, Rob David e Tim Sheridan, que trabalham em Masters of the Universe: Revelation, discutiram o homoerotismo do personagem e a sua fanbase 'gay'. Sheridan, que é um dos roteiristas do show e também 'gay', acredita que He-Man conseguiu fomentar uma fanbase 'gay', apesar de não ser abertamente 'gay', por causa dos temas do show original. Ele também esclareceu que He-Man é codificado de tal forma em Revelation para que seu personagem possa ser interpretado de várias maneiras, o que Sheridan acredita que pode aproximar as pessoas. De acordo com David, que é produtor executivo de Revelation e vice-presidente de conteúdo criativo da Mattel, a Mattel está "muito confortável" com a fanbase 'gay' de He-Man e sua percepção como um homem 'gay'.


Revelation
: Adam e Teela se tornaram um casal?

Masters of the Universe: Revelation se preocupa principalmente com pais e filhos, com a geração mais velha passando seu legado para Teela e Adam para cuidarem desse legado como acharem adequado. Os dois foram interpretados como amigos próximos desde a infância, embora Teela tenha ficado profundamente magoada por Adam esconder sua identidade secreta dela por tanto tempo. A 1ª temporada de Masters of the Universe: Revelation termina com os dois reconciliados e encarando um futuro brilhante juntos, com Adam continuando a servir em sua posição como He-Man e Teela como a nova Feiticeira (Sorceress).


Isso está de acordo com o tom estritamente platônico e voltado para crianças do antigo desenho animado, até que eles calmamente se dão as mãos. O gesto se conecta ao tema geral sobre amadurecimento no show, já que ambos os personagens devem fazer as pazes com os pecados de seus pais e seguir em frente em seus próprios termos. Também sugere que uma 2ª temporada poderia implicar as repercussões naturais disso, e explorar onde levaria um romance entre os dois mais poderosos defensores do Castelo Grayskull.

Fontes: Wikipedia e CBR.

Apesar de a cena das mãos de Adam e Teela se tocando dar um grande enfoque a isso com um possível tom romântico no final da parte 2 da 1ª temporada, ainda é cedo para dizer se eles estão (ou estarão) romanticamente envolvidos em Revelation. Certo, apesar de todo subtexto 'gay' que sempre cercou o personagem desde a sua criação em 1981, ninguém sequer sugeriu a possibilidade de He-Man se revelar um homem que ama outros homens na atual série animada da Netflix e, portanto, ninguém pode dizer que foi vítima de algum queer-baiting — bem pelo contrário, é notória a completa ausência de personagens abertamente DSR ou AMS no show —, mas ninguém disse que algum dia não poderemos ver o macho supremo de nossas infâncias, O Homem Mais Poderoso do Universo, explorar sua afetividade e sua sexualidade para além da heteronormatividade que sempre permeou esses desenhos antigos voltados sobretudo para meninos. E sabemos como He-Man sempre subverteu e continuará subvertendo tudo isso — e também que 40 anos nunca é tarde demais para uma nova transformação.

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